12 de abr. de 2012

APRESENTAÇÃO GYPSYbreja

Salve galera. Quem vos escreve é o Bruno, e gostaria de esclarecer alguns conceitos que envolvem o nome do site, assim como de nossa cerveja.

Como já foi dito na descrição de nosso perfil, eu e meus amigos cervejeiros escolhemos o termo GYPSY, vinculado ao conceito de transculturalidade, transito cultural e inserção do local no global (e vice e versa), ou seja, estamos sendo abrangentes, mas sem querer generalizar os povos ciganos. Digo povos, visto que generalizar os Romani seria como falar em "brasilidade", como se o Brasil fosse uno e cada brasileiro pudesse ser estereotipo do Brasil (mulata, futebol e carnaval).

Logo, utilizamo-nos do termo GYPSY levando em conta a trajetória dos Romani que começaram seu êxodo por volta do século IV, saindo da Índia, e se espalharam por todo o mundo, sempre em condições adversas, mediante expulsões, criminalização e preconceito, mas que em quase dois milênios conseguiram manter suas bases tradicionais e se adaptaram às diferentes realidades que encontravam, permitindo assim a perpetuação de uma cultura de base tradicional, porém hibridizada.

Deixo claro que não somos ciganos e não estamos brincando de ser. O nome foi escolhido em atitude respeitosa, não só porque apreciamos as músicas com influências ciganas, mas pelo fato de que acreditamos nas trocas culturais e somos contra as generalizações. Entra aí o paralelo com a cerveja. 

Fala-se muito hoje em uma "escola brasileira de cerveja", para isso adota-se como parâmetro a escola belga, ou a escola alemã, tcheca ou qualquer outra, normalmente países com longa tradição na produção e consumo de cerveja, com seus estilos e tipos de cerveja bem definidos em função de fatores geográficos, climáticos, históricos, culturais e sociais da região em que foram produzidos.

Para se pensar em construir uma escola de cerveja no Brasil deve-se levar em conta a complexidade da iniciativa, o que se pretende? Passamos aqui por dificuldades, a banalização da cerveja pelas mega cervejarias, os impostos abusivos e a falta de apoio à pequena produção, tudo isso bem de acordo com a tradicional politica de empurrar com a barriga, o que causa somente comodismo. Entre os ciganos, citando Nicolas Ramanusch, em “Cultura cigana, nossa história por nós”(1) , existe irmandade, mas é no laço familiar e no grupo comunitário imediato onde se encontra apoio e o que permite a perpetuação, o que constitui também a diversidade entre os diversos grupos Romani, diversidades também em virtude de contextos culturais, históricos, sociais e geográficos. Vejo o movimento homebrew no Brasil desta forma, somos um grande grupo de cervejeiros brasileiros, carregamos a tradição da cerveja como conhecimento de base, mas é dentro de nossas cozinhas ou no chão de fábrica, com nossos amigos ou funcionários, que encontramos o apoio e a perpetuação de nossa criatividade e de onde vem a diversidade.

Esta é uma proposta e um exercício crítico/criativo a que nos propomos, junto disso, uma de nossas propostas é a confecção de pelo menos alguns dos nossos rótulos através da técnica da xilogravura.

A xilogravura é uma das mais antigas técnicas de produção/reprodução de imagens. Consiste em gravar na madeira, criando algo parecido com um carimbo, o que permite que uma imagem ou texto seja reproduzido em maiores quantidades e devido ao suporte material (papel) ser mais acessível, permitiu também maior circulação destas imagens. Conceitualmente, a técnica e sua história se aliam ao nosso objetivo: o da transculturalidade e trocas culturais.

Foi através da xilogravura e também da gravura em cobre que o ocidente (leia-se Europa), difundiu seus cânones artísticos no período das colonizações e posteriormente. Estamos acostumados a ouvir sobre o barroco brasileiro e sobre o papel dos jesuítas na disseminação da cultura europeia, mas pouco ouvimos falar sore o papel da gravura nas trocas culturais. Cito como exemplo, três pinturas do pintor Manuel da Costa Ataíde, famoso colaborador de Aleijadinho, realizadas na na capela mor da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, MG, citadas por  Hana Levy no texto “Modelos europeus na pintura colonial”(2) .

1 – O sacrifício de Isaac;
2 – A morte de Abraão.

Todas seguidas de suas referências, gravuras de Demarne realizadas em metal, constantes em uma edição ilustrada da Bíblia(3).


Manuel da Costa Ataíde – O sacrifício de Isaac

Demarne – O sacrifício de Isaac

Manuel da Costa Ataíde –  A morte de Abraão

Demarne –  A morte de Abraão

De acordo como argumento de Hanna Levy, Ataíde utilizou-se das referências com cuidado, aproveitando apenas os elementos mais adequados, sendo composição dos grupos principais, iluminação e indumentária, mas rejeitando alguns elementos, como as paisagens e arquiteturas ou personagens secundários, verifica-se uma simplificação que não decorre de qualquer tipo de inépcia do artista, visto que as obras de Ataíde são composições artisticamente completas, decorre sim de uma adaptação particular, baseada no contexto brasileiro da época e às necessidades estéticas do período.

Muito poderia se falar a respeito, a autora segue sua argumentação, mas para nossos fins, os exemplos citados funcionam para exemplificar a importância histórica da gravura como disseminador/contaminadora. Sempre se enfatizou a visão eurocêntrica do mundo, em que o centro influência a periferia, mas o que vemos hoje é a consciência de que as minorias também influenciam, em um processo complexo de misturas e trocas em todos os sentidos, como vemos acima, existe adaptação, tradução, releitura e hibridização, gerando o particular.

É este o clima de troca que vem caracterizando o movimento homebrew no mundo todo, um clima onde se promove a troca do conhecimento tradicional e se compartilha as diferenças e particularidades, criando um complexo sistema simbólico que só tem a crescer.

A abordagem é superficial, mesmo porque ninguém pretende ler teses em um blog, pretendo ir aos poucos aprofundando os assuntos, entrando com mais acurácia em diversos pontos que foram somente pincelados até agora. Certamente teremos a contribuição do Hugo e do Fernando - vulgo Vegeta – cada qual em seu nicho mais direcionado de conhecimento e de minha namorada Juli Ribeiro, que é gravadora e nos dará acessoria na criação e confecção dos rótulos.

Bem vindos ao blog.

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(1) RAMANUSC, Nicolas. “Cultura cigana, nossa cultura por nós”. Gentilmente cedido pelo autor, solicitado no site da Embaixada Cigana no Brasil Pharalipen Romani. http://embaixadacigana.com.br/index.htm

(2) LEVY, Hanna. “Pintura e escultura I. Textos escolhidos da Revista do IPHAN. São Paulo: FAUUSP e MEC-IPHAN. 1978.

(3) Para mais informações sobre a edição ilustrada da Bíblia, ver LEVY, Hanna. “Pintura e escultura I. Textos escolhidos da Revista do IPHAN. São Paulo: FAUUSP e MEC-IPHAN. 1978. P. 100.

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